Pirataria ou nova ordem mundial?
Não sei de onde veio essa tendência, certamente não foi dos sólidos pilares da minha tradicional família carioca; mas o fato é que eu sou um anarquista. Dos calmos, mas sou. Sempre quis ver o circo pegar fogo. Talvez seja algum trauma de infância, não sei nem quero entrar nos detalhes sórdidos da mente humana. Mas, sempre que eu puder atiçar a fogueira, assim farei com um sorriso diabólico no canto da boca.
Dessa vez vou jogar meu balde de polêmicas no ventilador dos chamados “direitos autorais” e tentar tirar o véu que esconde a falsa moral dessa “guerra contra pirataria” da qual tanto se fala, tanto aparece na televisão... chineses vendendo (falando em chinês!) bugigangas na praia de Ipanema, rolos compressores destruindo CDs, policiais descendo a mão em camelôs esquálidos, gravadoras e músicos anunciando o apocalipse, e, aparentemente alheio a isso tudo, o povão continuando a comprar artigos piratas às toneladas. Até o presidente, legítimo representante do povão, foi flagrado com DVD pirata.
A inspiração para escrever veio quando eu li uma entrevista de um cartola da pirataria, cujo nome eu vou poupar do vexame, que em um dos trechos dizia:
“Mais do que as apreensões, a maior vitória foi difundir a idéia de que a pirataria não é uma alternativa: as pessoas podem até comprar produto pirata, mas já sabem que é crime.”
Tá bom. Crime. Nesse país e nessa época em que estamos vivendo, é complicado definir o que é crime e o que não é. De qualquer forma ele esqueceu de dizer que pagar R$40 por um CD também não é alternativa, porque o povão não tem esse dinheiro, e mesmo que tivesse não gastaria em CD. Ele também não levou em conta que, em vez de pagar Quarentão num CD e ver esse dinheiro se dissipar entre vários cartolas, associações, sindicatos, gravadoras, advogados e outros atravessadores, até chegar um caraminguá no bolso do músico, que aliás é podre de rico, é muito mais lógico para o povão comprar o mesmo CD por Dezão, ali no camelô, que por acaso é primo dele, e que vai receber uma comissão maneira se vender bem, e fica ali tudo resolvido entre eles, sem contribuir para o caviar dos bacanas.
Quando surgiram os primeiros DVDs, eu, interessado que sou em multimidia, logo peguei o livro que define os padrões usados nessa nova mídia. Esse entusiasmo até me valeu um emprego numa produtora de vídeo, onde eu me aprofundei mais nessa ciência.
Foi aí que eu aprendi não somente a técnica, mas também o funcionamento de um sistema muito maior que a máquina de tocar DVDs.
Naquela época já se falava muito em pirataria de CDs. A RIAA, uma associação da indústria fonográfica e músicos americanos, havia conseguido fechar um site que promovia a troca de músicas em MP3, o saudoso Napster. Para desespero da RIAA, bastou o Napster fechar para 12 outros sites abrirem no seu lugar, desta vez fora da jurisdição dos EUA.
Com esse alvoroço, e mais o barateamento das conexões de internet de banda larga, a chamada “pirataria de MP3” tomou proporções mundiais. Eu perdi a conta de quantos softwares e sites de troca-troca de MP3 existem. Os americanos, por conta de seus advogados vorazes por justiça e milhões de multas, tiveram que inventar umas soluções que não são gratuitas, que só na teoria funcionam. O resto do mundo permanece alheio às esperneadas da RIAA.
Com os MP3 e CDs piratas proliferando como bactérias sem antibiótico, os cartolas perceberam que com os DVDs a coisa ia ficar séria, pois os filmes de Hollywood, aqueles caríssimos e que os americanos morrem de ciúmes, fatalmente iriam cair na rede dos piratas.
Grandes causas como essa promovem grandes associações: Fez-se então um grande lobby, um “acordão” para usar os termos políticos mais atuais, entre as produtoras de filmes, seus respectivos sindicatos e associações com os fabricantes de DVDs e DVD Players, de se adotar uma tecnologia extremamente complexa para evitar a chance de pirataria de DVDs.
Durante alguns anos, os reprodutores simplesmente não reconheciam DVDs que não fossem gravados pelas indústrias incluídas no “acordão”. Os DVDs piratas, mesmo que existissem, não poderiam ser reproduzidos. Assim foi até a hora em que começaram a aparecer no mercado os primeiros gravadores de DVDs caseiros, vendidos com a melhor das boas intenções, para os pais de família que querem gravar os vídeos dos seus filhos para a eternidade. E agora? O DVD da sala não toca a mídia que eu gravei no computador?
Em paralelo, outros conversores e compressores de vídeo, ainda melhores que o padrão MPEG utilizado pelos DVDs, apareceram na internet. Entre vários, dois com nomes parecidos: XVID e DIVX, fazem milagre mesmo num micro barato: em poucas horas convertem um filme que ocupa um DVD de 9GB e gravam num CD de 700MB. Em outras palavras, transformam os filmes de Hollywood em um arquivo que dá pra trocar pela internet.
Grandes reviravoltas como essa promovem grandes gritos de “cada um por si e Deus por todos”. Os primeiros a se retirarem de mansinho do acordão foram os fabricantes que, vendo essa multidão clamando por reprodutores de mesa que reproduzissem DVDs feitos em casa, não perderam tempo e lançaram modelos que liam VCDs produzidos por câmeras amadoras, catálogos de fotos em JPG, músicas em MP3 e outros formatos ditos “caseiros” onde a pirataria não é explícita (com exceção dos MP3, afinal música já virou bagunça mesmo...).
Logo que apareceram os vídeos piratas em DIV-X na internet, popularizados pelos programas P2P atuais como o E-mule, sem pestanejar as grandes marcas lançaram DVD Players que lêem DIV-X. Está instituída a pirataria geral e irrestrita. Os cartolas, ingênuos, que começaram essa briga inglória, devem dormir com isso na cabeça: porque eu fui me meter a remar contra a maré?
Pra terminar o raciocínio, não adianta dar cacetada em camelô, não adianta músico aparecer na TV e tentar nos convencer dessa história que o prejuízo para a indústria fonográfica vai deixá-lo morto de fome; chega de hipocrisia, chega de pensar pequeno, porque os grandes não estão nem aí para a ética – eles correm para o lado que está a grana e o prestígio apenas, e usam e abusam da tecnologia para cercear nossos movimentos. Mas volta e meia essa mesma tecnologia ultrapassa as grades de contenção e o povão passa a utilizá-la em seu proveito. É o caso da internet, que está, ao seu modo, acabando com todos esses conceitos ultrapassados de diretos autorais e proporcionando à humanidade a possibilidade aprender, ver e ouvir virtualmente tudo o que existe de belo na natureza e também umas poucas coisas belas que o homem soube fazer: pinturas, músicas e filmes. Para os autores que estão morrendo de medo de terem seus produtos intelectuais roubados, só posso recomendar que usem sua genialidade para descobrirem outras soluções, outros conceitos, porque o sistema já era.
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