Se eu tivesse lido o meu horóscopo ontem, certamente haveria um aviso: Os astros estão em posição desfavorável em todos os aspectos. Não saia de casa, desmarque seus compromissos.
O Iphone me desperta às 7:30 ao som de grilos. O dia amanheceu gelado. Garoava. Eu tinha nada menos que 3 compromissos, a começar pela consulta com o oftalmologista às 8h, para logo depois ter minha rotineira e agradável sessão de terapia e terminar a manhã sendo espetado pelas agulhas certeiras do acupunturista Dr. Liu, que está operando milagres em minha coluna.
O endereço do oftalmo já está cadastrado no meu Iphone desde o ano passado. Com um clique no endereço, o aplicativo de mapas aparece e me indica o caminho a seguir. Tudo parece fácil, até agora. Eu ainda não saí da cama.
Ao sair de casa, tiro os óculos, ponho o capacete, ponho o Iphone no bolso, ligo a moto mas não consigo vestir as luvas, engruvinhadas por dentro. É primeiro sinal de que o dia seria daqueles. Desligo a moto, tiro as luvas, tiro o capacete, tiro os óculos do bolso, visto os óculos, demoro horas arrumando as luvas. Perco a paciência, já estou atrasado, enfio os dedos de qualquer jeito. tiro os óculos mas quase não acerto o bolso por causa das luvas. O capacete também é impossível de se fechar com luvas tortas. No caminho, sinais fecham, cachorros perseguem minha moto. Caminhões espirram água suja, o dedo mínimo que ainda não entrou na luva dói com a força de puxar a embreagem. O mundo conspira mas eu não percebo.
Vou seguindo as instruções do GPS do Iphone. A cada vira pra lá, vira pra cá, eu paro a moto, tiro a luva, tiro o capacete, tiro o óculos do bolso, ponho o óculos, levanto um pouco para tirar o Iphone do bolso, consulto o mapa, tiro os óculos, ponho o capacete, ponho o Iphone no bolso, ponho a luva, ligo a moto, continuo.
Cheguei. Não vejo o consultório.Tiro a luva, tiro o capacete, tiro o óculos do bolso, ponho o óculos, levanto um pouco para tirar o Iphone do bolso. Não acho placas de rua com o nome da rua que procuro. Pergunto para uma senhora com cara de moradora. Ela me diz sorrindo que a rua que eu procuro é do outro lado da cidade. Eu agradeço e sigo na direção que ela indicou, pensando "mulher maluca, sem noção, o GPS tá indicando que é aqui, vou perguntar de novo ali adiante". Tiro os óculos, ponho o capacete, ponho o Iphone no bolso, ponho a luva, ligo a moto. Dou mais uma volta procurando alguém mais confiável para perguntar.
O telefone toca. Paro a moto, tiro a luva, levanto um pouco para tirar o Iphone do bolso, ligo o alto falante do Iphone e grito, ainda de capacete - Alô, espera um pouco! - Tiro o capacete, tiro o óculos do bolso, ponho o óculos, atendo ao telefone:
- É o Eduardo? - uma voz de garoto.
- Sim, quem é?
- Você perdeu sua carteira?
- Heim?
- Você perdeu sua carteira?
- Eu? não... peraí... (apalpadas nervosas com a outra mão esquerda por todos os bolsos)
- Você perdeu a sua carteira!
- Eu perdi minha carteira! você achou!
- Sim, aqui no centro de Mogi. Só que agora eu estou indo pra casa de uns parentes em Brás Cubas. Na hora do almoço eu volto. Te ligo mais tarde!
- Fazer o que né? ok, aguardo, obrigado!
Numa dessas vezes em que parei a moto para conferir o GPS, a maldita carteira escapou do bolso.
Foi ai que caiu a ficha. O dia era daqueles.
A segunda ficha caiu em seguida: O GPS estava me indicando o lugar errado mesmo. Uma letra errada no endereço do consultório o levou a indicar um endereço totalmente diferente, em vez de simplesmente dizer "não encontrado".
Perdi a consulta, que já foi remarcada para daqui há 2 meses. Andei e parei a moto, tirei as luvas, capacete, os óculos do bolso para o rosto e vice-versa mais duzentas vezes. Passei a manhã toda grilado com a minha carteira perdida, mas o desconhecido que a achou foi honesto e pontual. Na hora marcada, me ligou, marcou um ponto de encontro e lá me devolveu a carteira, intacta.
Não era um garoto. Era um homem adulto, só que pequeno e de voz imatura. Parecia tímido e humilde, quis me entregar a carteira e sair sem trocar muitas palavras. Se desculpou por abrir a minha carteira para procurar o meu telefone.
Na carteira havia apenas uma nota de R$10. Ofereci a ele em agradecimento. Ele recusou, agradeceu e começou a ir embora. Eu o puxei pelo braço, coloquei a nota na mão dele e falei, é simbólico, cara, 10 merréis não pagam uma cerveja! Ele entendeu, sorriu, pegou e se foi.
O dia continuou complicado até o fim. Mas eu fui dormir feliz.